Sexta-feira, 19 de Março de 2010
Maria Alda Nogueira: Uma mulher, Uma vida, Uma história de amor (I)

  No dia do 87º aniversário do seu nascimento a partir de hoje publicaremos a transcrição integral de um texto da autoria de Helena Neves, com edição do Movimento Democrático das Mulheres (MDM) sobre Maria Alda Nogueira. Foi publicado em 1987 por ocasião da entrega pelo MDM da Distinção de Honra, numa homenagem a uma vida dedicada à defesa da igualdade, da justiça social e da paz.

 

Encontros e retornos de uma mulher

A 19 de Março de 1923, nascia em Alcântara, Alda Nogueira.
«Nasci mesmo no prédio onde é hoje a pastelaria "O Galão”. Era um prédio antigo. De azulejos. Não foi indiferente às opções da minha vida o ter nascido no Bairro de Alcântara… O Bairro de Alcântara era então um bairro cheio de fábricas, de trabalhadores e muitos dos seus filhos eram meus colegas de escola

DA JANELA
             
Também filha de operários, a mãe, costureira de alfaiate e o pai, serralheiro mecânico, Alda viveria os primeiros anos de vida imersa neste murmúrio, neste roçar de gente, fala, máquinas, odores dos bairros operários.
Olhando a vida, de sua janela. Um pouco de mar, muito céu e o fervilhar do Largo. A manhã nascia, o cheiro quente da padaria colando-se doce, guloso, às faces.
E de sua janela, Alda brincava mirando a vida. Brincava com o irmão mais novo aos carros eléctricos – e as grades de ferro eram os varões onde se apoiava, passageira de viagens lúdicas, inesquecíveis viagens, sol na face dos vidros acendendo fulgores, e cá em baixo o Largo do Calvário. Sempre o largo, a gente, o fumo, as falas, os pregões, os cheiros que ainda perduram na memória, até sempre este odor de infância, do tempo ganho e perdido, esse tempo de tantas outras dimensões ignorado por Alda, menina na varanda, sonhando idas por outros caminhos, outras fronteiras, ou no interior da casa, jogando com o irmão às lojinhas e outros jogos indiferenciados, sem a marca do “é prá menina, é pró menino”.
«Tanto ele brincava com bonecas, como eu com coisas de rapazes. Partilhávamos muito os jogos, as brincadeiras. E o desporto sobretudo. Sempre gostei muito do desporto. Nós comprávamos aqueles livrinhos “Como aprender a nadar”, Como jogar boxe”, “Como saber judo” e, em conjunto, fazíamos essa aprendizagem. Pratiquei natação, voleibol que aprendi com o professor Quintanilha e outros desportos
E nos raros tempos de quietude Maria Alda lia.
«A minha grande leitura naquela altura em miúda era o Pim Pam Pum. Adorava!»
Nessas dimensões ignoradas, nessa outra fronteira da vida para além do Largo, mas na qual o Largo se envolvia com a sua força operária, a sua revolta popular, mastigada com raiva nas tabernas e nas fábricas e nas esquinas, sussurravam-se descontentamentos, angústias, resistências.
Maria Alda nascera no poente da República, época de muitas promessas, muitas esperanças, desiguais erros, desunidades fatais.
Num poente onde as mulheres se movimentavam como se fosse ainda início do dia da liberdade. À data em que Maria Alda começava a andar, o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas fundado em 1914, sob a direcção de Adelaide Cabete, agitava a problemática feminina, lançava campanhas, discussões, polémicas. Publicava a revista "Alma Feminina”, tribuna de informação, divulgação e lutas feministas, ousava coisas antes não ousadas pelas mulheres. E organizava o I Congresso Feminista e de Educação em 1924 e em 1928 o segundo, ambos com pleno sucesso.
Mas este Congresso de 1928 era já objecto de ataques ferozes, anunciando a opressão próxima. Porque entretanto fora o 28 de Maio de 1926, o fascismo triunfante, instalando-se, permanecendo, ferindo o país, o povo, o largo, as suas gentes, a vida de Maria Alda. Despertando revoltas, greves, lutas, resistências. E muito silenciamento, muita repressão. E Maria Alda de sua janela, vendo ainda muito céu, um pouco de mar, começou a presenciar coisas diferentes, coisas que não esquecem:
«Presenciei a revolta dos Marinheiros em Setembro de 1936 do alto da minha janela. Presenciei aquela canhoada toda, com o Largo do Calvário cheio de legionários a dispararem sobre a multidão
E outros sons, além das falas da gente do Largo, a estremeceriam em sua janela:
«A esquadra era mesmo em frente de minha casa e para lá iam presos de lutas laborais e eu ouvia muitas vezes, os seus gritos, a serem espancados, a serem torturados.»
E outras notícias de coisas passadas nas proximidades do Largo, a punham perplexa, ansiosa…
«Uma notícia que teve muita importância para mim e me tocou imenso foi quando soube que, na altura das greves na Construção Naval, da CUF que era mesmo ali em Alcântara, as mulheres dos grevistas se deitaram nas linhas dos eléctricos ali na Rocha, chamada do Aterro, na Av. 24 de Julho, para não deixar passar os “amarelos” que eram os da Carris que não queriam aderir à Greve. Já era rapariga e participei na recolha de donativos para os filhos dos grevistas.
Tudo isto eclodia em cima da minha casa, quase nas minhas paredes

(continua)

 


sinto-me:

publicado por mdm-viseu às 12:23
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